sábado, 23 de novembro de 2019

Tô indo, mas volto!

“Tô indo, mas volto!”
Lembra que eu disse isso, mãe? Parece que foi ontem, né? E se não fossem as tantas cicatrizes desde aquele dia, eu até poderia ter certeza. Lembro de tudo. Daquele abraço mais forte que o normal. Do momento que te vi diminuindo, até desaparecer. De ter que olhar pra frente, perceber que estava sozinho e sentir o coração parar por uns instantes. Era um misto de medo com insegurança. Eu acabara de perceber que já não tinha você pra escolher comigo, ainda que fosse pra arrumar um probleminha me lembrando do 0,1% de chances de dar errado. Eu sempre achava chato, né? Mas, isso fez tanta falta. E, não teve jeito.  Terminei escolhendo errado por vezes, me decepcionando outras. Senti na pele o que é encarar o mundo sozinho. Chorei um bocado antes de dormir e fingi várias vezes voz de felicidade quando me ligava. A senhora me criou pra vencer e jamais deixaria achar que fracassou. Quando pensava em desistir, lembrava da promessa que te fiz. Eu não poderia voltar pra casa e não te dizer que venci.
Hoje eu tô trabalhando, mãe. Tenho meu próprio dinheiro. Tenho responsabilidades. Estou bem mais calejado. Ando fazendo planos para ter minha própria família. É mãe... eu venci! Mas, preciso te falar uma coisa que rasga metade do meu coração de hoje, e de todo o coração daquele garoto que saiu de casa: “Eu não vou voltar, mãe!” Até vou passar aqui sempre que puder. Ainda vou tomar do melhor café do mundo. Mas, voltar, voltar mesmo, eu fui percebendo que não. É minha vez de encarar o mundo. E, dói te dizer isso. Principalmente por tudo que significa pra mim e por ter sido, esse retorno, a maior motivação e esperança daquele garoto inseguro.
Vai ver que, enfim, eu virei adulto e passei a entender o que isso significa. Ser adulto é encarar a vida com uma mochila gigante de saudades. Da infância, da adolescência e da tua proteção. 
Sempre serei grato por tudo mãe.
Te amo! Mas não volto.

Morar Sozinho

Tem gente que mora sozinha por opção. Mas, para outras pessoas, é uma questão de falta de opção. E você pode ter 18, 25, 40 ou 65 anos, mas quando começa a morar sozinho, a sensação é sempre a mesma: “E agora, como será?”.

No início, você descobre a parte boa de não ter que dividir o mesmo teto com alguém. Anda pelado à vontade pela casa, deixa a cama desarrumada e acorda a hora que quiser. Descobre como é bom não ter ninguém te amolando porque você deixou a toalha molhada na cama, porque só comeu fast-food ou tomou muita cerveja.

Acontece que sempre chega aquele momento em você se perde dentro do seu próprio quarto. Quebra a cabeça com contas de luz, água e aluguel. Tenta ter uma alimentação saudável, mas descobre que comida fresca estraga rapidinho. Quem mandou comprar frutas e legumes para uma semana? Então, volta ao mercado decidido a pegar metade das coisas que tinha comprado antes. Aí percebe que lá não tem meia porção de alface nem meio pacote de pão de forma.

Ao chegar em casa, não há ninguém para ouvir como foi o seu dia, ou para lhe contar uma história. Para dividir a refeição, a cama e os sonhos. O silêncio se faz pesado e você se sente vazio.

Esse vazio é a angústia do idoso que tem medo de morrer e não ser encontrado. É a saudade do arroz com feijão da mamãe e a ausência de crianças correndo pela casa. É o bife que ficou duro e o seu fogão parecendo um campo de batalha. São as plantinhas que morreram porque você se esqueceu de regá-las.

Porém, mesmo que você não goste de passar roupa e muito menos de limpar o banheiro, e mesmo com alguns outros desafios, você descobre que é possível morar sozinho sem ser solitário. Você começa a se virar e a sua intuição se aflora.

A solidão é exílio fundamental para o seu autoconhecimento. Mas é preciso tomar cuidado para que não se perca em martírio e autopiedade; nesse caso, seu pior inimigo será você mesmo. Você e a sua inércia. Você e sua teimosia em aprender a morar sozinho.

Não importa se você esteja morando sozinho somente por um tempo ou pelo resto da vida. Olhe para dentro de você e faça presente o que lhe falta, é como compor poesia com o seu próprio silêncio. Ao prosseguir a vida que lhe foi dada, seja feliz com o que você tem. Ria sozinho da sua bagunça e surpreenda-se com sua coragem. Faça da experiência de morar sozinho a sua melhor arte.